terça-feira, 14 de outubro de 2008

Entre Becos - 6 partes - (parte 3)

Depois de um tempo tudo se acalmou. Inclusive ele. Parou diante das janelas entreabertas e acendeu um cigarro. Chovia. Não era comum passar carros por ali, mas ele estava esperando o psicólogo. Um carro vermelho passou e ele acenou. O doutor chegara.
Houve um tempo em que os sonhos eram importantes e você achava que fazia a diferença, tudo era novo e você sabia que era só atravessar a esquina para encontrar a felicidade.
Abriu a porta para o terapeuta e pediu para ele entrar. Ele entregou sua casaca e aceitou um café. Trazia uma pasta consigo. Depois de uma conversa trivial cada um ocupou o seu devido assento, a conversa começou novamente. O proprietário se levantou da poltrona em que estava, para fechar a janela. Estava frio e isso talvez incomodasse o outro. Não sabia o porquê, mas não o queria desagradar.

- E, então? O que você tem feito? - perguntou o psicólogo.
- Alguns planos de viagem... Também tenho arrumado a casa e comecei uns desenhos. Quadrinhos, na verdade... Coisas que eu sonho, ou que me acontecem no dia-a-dia. Quer ver?

Ele não quis. Só anotava coisas em um papel tirado da pasta. E isso doeu no outro profundamente. A sala silenciou. O visitante percebeu e quis ir direto ao assunto.

- Me diga como você tem se sentido desde que ela se foi.
- ...
- Você não tem sentido nada de diferente... acontecido...?
- Ontem a noite eu pensei na infância que eu não tive. Da minha vida só me vem a lembrança de um tempo espaçado. Cada novo dia é um dia mais perto da morte. E é pior do que morrer, é bem pior do que viver. Viver sem ela é só esse tempo espaçado.

Nenhum comentário: