sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A última ciranda - a verdade

Era mais uma noite daquelas férias , nem lembro mais se era final de 99 ou já início de 2000, mas eu estava sem sono e embolando na cama, na mesma cama que estavam meus pais, e eu estava lá pelo simples medo de ter pesadelo.

Pedi a Paulo, meu pai que me cantasse uma canção qualquer de ninar e que me fizesse cafunés, ele ali era o único que tinha paciência para essas coisas e minha mãe, Cícera, já estava em sono profundo.

Afundando aquela mão senil nos meus cachos, cantava baixinho:

Eu estava na beira da praia
Ouvindo as pancadas
Das águas do mar

Essa ciranda quem me deu foi Lia
Que mora na Ilha
De Itamaracá

Eu estava sem saber da vida
A manhã perdida
Na beira do mar
Eu estava na beira e não via
Que o mar prometia
Morrer, deslindar

Depois veio aquela menina
E meu corpo queria
Crescer, navegar

Essa manhã de dor, essa alegria
Essa vontade nova em frente ao mar
Essa primeira esperança comovida
De ter de, de ter de atravessar
Essa janela aberta, essa varanda
Essa manhã desesperada e branda

Essa ciranda quem me deu foi Lia
Que mora na ilha
De Itamaracá


Até eu adormecer, abraçada a ele.

Naquela noite não tive sonhos, mas em pleno dia tive um pesadelo que para meu desespero era real. Nove horas e mais um tanto da manhã de um dia qualquer, que cuja data não lembro nem faço questão de lembrar, fui acordada por uma histeria infernal. Gritos da minha mãe, do meu pai e do rapazinho que trabalha até hoje conosco. Com o coração aos pulos corri para o quarto de onde vinha o barulho , no quarto onde se pintavam as placas, enfim, um negócio ridículo de se explicar e do qual eu sentia infinita vergonha, pois nos impedia de ter uma casa bonita e arrumada como a dos meus poucos coleguinhas. O cenário era repugnante: tinta sintética vermelha respingada pelo quarto que fedia, Dudu segurando minha mãe que de tão enfurecida parecia estar cega, e meu pai calado num canto, parecia chorar.

Ninguém queria falar comigo, nem ao menos olhar para mim. Ninguém queria me dizer o que havia acontecido, todos se entreolhavam. Talvez minha mãe me tinha dito que levara um tapa no rosto. Se disse ou não, não lembro. Mas lembro claramente da marca de mão no rosto dela.

Mainha não só estava com o rosto ferido. Estava com o orgulho ferido.E para meu desespero, e desespero maior do meu pai, ela decidiu que meu pai ia embora daquela casa, e tirou nós dois do caminho dela, empurrando-nos, indo em direção ao quarto para tirar as roupas dele, e colocar numa mala qualquer.

Não digo que minha mãe era a vilã da historia, tampouco meu pai. As situações que se preparam para nós são as verdadeiras malvadas. Mas naquela hora minha mãe conseguiu ser ruim: meu pai, um velho quase esclerosado, diabético e falido, precisava da gente. Ela não quis saber, levou a mala até a sala e ligou para Edvaldo, genro dele, para que fosse buscá-lo.

Eu não chorava, a única coisa que eu sentia era fome e sede, pois até aquela hora não havia comido até aquela hora, umas três da tarde. Fugi até a casa da vizinha, onde eu brincava com as filhas dela, minhas amiguinhas, e me deram cereal. Foi a primeira vez que eu havia comido aquilo, e com a tigelinha descartável na mão, fui até o portão. Só deu tempo para eu ver ele no carro, e Divo acenando para mim.

Painho não acenava, ele não me viu... tava quase cego por causa da catarata nos dois olhos.

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